sábado, 19 de fevereiro de 2011

A Bandeja de Doces



A Bandeja de Doces.
[Patricia Montenegro]



O ano era o de 1927. A cidade era Manaus. Uma Manaus onde existia a tradição e a força política.
A casa era de um Desembargador, de grande competência, com uma carreira política proeminente.
Uma casa grande, confortável e decorada com o bom gosto europeu de um exigente descendente de alemães.
Viúvo, elegante e rigoroso ele controlava a educação de seis filhos, com idades variando de 6 a 16 anos com a ajuda da fiel Antonia. Mas que uma governanta, uma segunda mãe, que ajudava a controlar 3 meninos e 3 meninas levados e cheios de vigor.
Era uma noite amena de final de maio e todos haviam terminado o jantar a um pouco mais de uma hora.
O Desembargador como de costume se recolheu à biblioteca onde costumava degustar um licor lendo um bom livro ou relendo um dos tantos processos em curso à espera de uma decisão.
As crianças estavam na sala de estar cada uma entretida em seus próprios afazeres.
Quando bateram à porta. Antonia se encaminhou a atender seguida pela caçulinha Zillah, uma lourinha espevitada de brilhantes olhos azuis violeta.
Era um motorista elegantemente uniformizado. De quepe e luvas. Carregava uma grande e linda bandeja repleta de doces. Os mais variados e saborosos doces caramelizados distribuídos em uma bandeja lindamente decorada.

-Boa noite, senhora, disse o educado motorista, vim aqui entregar essa bandeja de doces.


Zillah logo arregalou seus olhinhos brilhantes e disse:


-Oba!! Doces!!


Antonia disse à menina: não querida, isso não é para nós.


-Desculpe-me meu senhor, mas deve haver algum engano essa bandeja não é para cá. Nenhuma encomenda foi feita. Disse Antonia.


- Desculpe-me a senhora mas é sim. Devo entregá-la sem falta hoje e já estou atrasado.


-Meu senhor verifique bem o nome do destinatário..


-Disseram-me apenas: entregue na casa do Desembargador que ele está esperando.



A essa altura uma algazarra já se fazia presente. Cada qual emitindo sua opinião. Impossível entender qualquer coisa.


Zillah dizia:


-Deixa..Antonia..deixa...


Aloísio, de 13 anos, muito guloso logo quis pegar a bandeja.


-Calma, menino! Temos que verificar isso.



Atraído por tanto ruído, vozes e risos o Desembargador saiu da biblioteca para saber o que estava acontecendo.




- Posso saber o que está acontecendo aqui?




Antonia explicou então a situação.




-Boa noite, Desembargador estou aqui para entregar-lhe essa bandeja de doces, disse o jovem motorista.


-Boa noite, meu jovem, mas creio que haja algum engano, pois não foi feita nenhuma encomenda.


-Meu Deus! O senhor quer que eu perca meu emprego? Tenho família para sustentar! Se não entrego esses doces perderei meu emprego.




Maria, a mais velha, resolveu então dar sua opinião.


-Quem sabe papai, não foi presente de alguém? Nessa época de eleição tudo é possível.


-Mais um motivo para não aceitar. Não sei quem possa ter me mandado isso.


-Pelo amor de Deus o que faço? Perguntou o pobre motorista segurando a bandeja. Já suando em desespero e tremendo pelo peso da bandeja.




Depois de verificado que não havia remetente e já que o rapaz tanto insistia...




-Está bem meu jovem, não serei eu o responsável pelo seu desemprego. Pode entregar-me a bandeja.


O jovem suspirou aliviado, recebeu uma gratificação, e se foi com a sensação de dever cumprido.
Antonia colocou então a bandeja sobre a mesa da sala de jantar.
Por alguns minutos um silêncio tomou conta da sala. E todos os olhares se voltaram para o Desembargador. Esperando um pequeno sinal de autorização...
Então...


-Certo, crianças já que alguém decidiu nos ofertar a sobremesa de hoje..vamos lá!




Foi um verdadeiro ataque à bandeja. Imagine 6 crianças como formigas em volta de uma bandeja com os mais deliciosos doces.
Até mesmo o Desembargador apreciou o seu saboroso doce.
Logo só havia papeis e resto de açúcar sobre a bandeja.
Não demorou trinta minutos para que voltassem a bater na porta.
Um motorista agora pálido e assustado disse:


-Desembargador...queira me perdoar..mas..


-Mas..? Perguntou o Desembargador..


-Houve um pequeno engano e a bandeja de doces era para ser entregue na rua ao lado.


-Não diga! Mesmo?


-Sinto meu jovem, mas agora é tarde. E não foi falta de avisar.


-Mas e os doces?? Perguntou aflito?


-Os doces? Bom meu jovem. Com seis crianças em casa acho que pode imaginar o destino de cada um desses deliciosos doces.


-O que faço agora? Perguntou assustado.






O Desembargador então se dirigiu à sala apanhou a bandeja, agora vazia, e devolveu-a ao motorista.-


-Leve a bandeja. Explique o ocorrido.


-Mas serei demitido..e..


-Meu jovem você já está encrencado. Mas sei que no fundo a culpa não é de toda sua.


O Desembargador então se dirigiu à biblioteca e redigiu uma pequena carta e pediu que fosse entregue junto à bandeja na devida casa.


-O que diz aqui??? Perguntou aflito.


- Que os doces estavam maravilhosos que adoraria conhecer tão competente doceira.


- Mas...


- Calma rapaz..digo também que arcarei com o valor gasto que não se preocupem. Mas em relação aos doces da festa nada posso fazer. Pois hoje a festa foi aqui.


- Uma boa noite para você rapaz.




Assim terminou aquela noite de maio. Adoçada pelo destino.













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