terça-feira, 24 de maio de 2011

Uma voz na multidão




Uma voz na multidão
[Patricia Montenegro]


Professora Amanda Gurgel pequenina na estatura e gigante na determinação, força e coragem. Uma voz que ecoa em protesto as péssimas condições da educação no Brasil.
Amanda Gurgel é professora da rede estadual de ensino no Rio Grande de Norte e não se calou ou acovardou diante de deputados em uma audiência publica no senado deste estado. Ela não se calou. Eles, os deputados, sim.
Muito bem articulada, convicta das próprias idéias, coerente e determinada ele defende, como uma ‘leoa’, as melhores condições para o ensino crítico no Rio Grande do Norte e também no restante do País.
Alertou para as péssimas condições que começam nas escolas sem condições estruturais de receber os alunos. São janelas quebradas, portas arrombadas e falta de banheiros. Faltam cadeiras, mesas, lousas, giz e até profissionais do ensino. Falta merenda escolar e até mesmo água. Como abrigar crianças em locais assim? Locais que deveriam ser seguros, mas não são.
Condições essas que não são desconhecidas, mas que são caladas, escondidas, camufladas, escondidas debaixo do pano ou simplesmente ignoradas por ‘não ser interessante’ aos bolsos dos governantes.
A educação no Brasil há muito tempo pede socorro e agoniza. Mas muitos preferem calar a voz diante de tal situação.
Mas a corajosa Professora Amanda Gurgel [Uma nordestina que não nega a raça – é ‘arretada’] não o fez. Fez ecoar sua voz determinada e forte diante de senadores com salários milionários e bonificações astronômicas. Diante inclusive da secretária Bethania Ramalho que fazia seu discurso numérico ela apresentou seu minguado contracheque de R$950,00. Uma vez que se falava tanto ‘em números’.
E com sua forte presença conseguir calar a voz desses senadores por instantes e o plenário ficou em silencio diante da sua voz solitária.
Em um País que deseja sediar eventos esportivos tais como - a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 - é vergonhosa a vista grossa que as autoridades fazem diante de necessidades tão básicas – como a educação- que o País necessita e está a deriva. Haja maquiagem para disfarçar tanta hipocrisia e descaso.
Parabéns Professora Amanda Gurgel! Não cale a sua voz diante de um Brasil que precisa de pessoas corajosas como você. De Professoras como você!
Ainda existe esperança. Uma luz no final do túnel. Que outras vozes se unam a sua.




Rio de Janeiro, 24 de maio de 2011.





P.s O vídeo já está na internet como no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=yFkt0O7lceA&feature=share

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A Bandeja de Doces



A Bandeja de Doces.
[Patricia Montenegro]



O ano era o de 1927. A cidade era Manaus. Uma Manaus onde existia a tradição e a força política.
A casa era de um Desembargador, de grande competência, com uma carreira política proeminente.
Uma casa grande, confortável e decorada com o bom gosto europeu de um exigente descendente de alemães.
Viúvo, elegante e rigoroso ele controlava a educação de seis filhos, com idades variando de 6 a 16 anos com a ajuda da fiel Antonia. Mas que uma governanta, uma segunda mãe, que ajudava a controlar 3 meninos e 3 meninas levados e cheios de vigor.
Era uma noite amena de final de maio e todos haviam terminado o jantar a um pouco mais de uma hora.
O Desembargador como de costume se recolheu à biblioteca onde costumava degustar um licor lendo um bom livro ou relendo um dos tantos processos em curso à espera de uma decisão.
As crianças estavam na sala de estar cada uma entretida em seus próprios afazeres.
Quando bateram à porta. Antonia se encaminhou a atender seguida pela caçulinha Zillah, uma lourinha espevitada de brilhantes olhos azuis violeta.
Era um motorista elegantemente uniformizado. De quepe e luvas. Carregava uma grande e linda bandeja repleta de doces. Os mais variados e saborosos doces caramelizados distribuídos em uma bandeja lindamente decorada.

-Boa noite, senhora, disse o educado motorista, vim aqui entregar essa bandeja de doces.


Zillah logo arregalou seus olhinhos brilhantes e disse:


-Oba!! Doces!!


Antonia disse à menina: não querida, isso não é para nós.


-Desculpe-me meu senhor, mas deve haver algum engano essa bandeja não é para cá. Nenhuma encomenda foi feita. Disse Antonia.


- Desculpe-me a senhora mas é sim. Devo entregá-la sem falta hoje e já estou atrasado.


-Meu senhor verifique bem o nome do destinatário..


-Disseram-me apenas: entregue na casa do Desembargador que ele está esperando.



A essa altura uma algazarra já se fazia presente. Cada qual emitindo sua opinião. Impossível entender qualquer coisa.


Zillah dizia:


-Deixa..Antonia..deixa...


Aloísio, de 13 anos, muito guloso logo quis pegar a bandeja.


-Calma, menino! Temos que verificar isso.



Atraído por tanto ruído, vozes e risos o Desembargador saiu da biblioteca para saber o que estava acontecendo.




- Posso saber o que está acontecendo aqui?




Antonia explicou então a situação.




-Boa noite, Desembargador estou aqui para entregar-lhe essa bandeja de doces, disse o jovem motorista.


-Boa noite, meu jovem, mas creio que haja algum engano, pois não foi feita nenhuma encomenda.


-Meu Deus! O senhor quer que eu perca meu emprego? Tenho família para sustentar! Se não entrego esses doces perderei meu emprego.




Maria, a mais velha, resolveu então dar sua opinião.


-Quem sabe papai, não foi presente de alguém? Nessa época de eleição tudo é possível.


-Mais um motivo para não aceitar. Não sei quem possa ter me mandado isso.


-Pelo amor de Deus o que faço? Perguntou o pobre motorista segurando a bandeja. Já suando em desespero e tremendo pelo peso da bandeja.




Depois de verificado que não havia remetente e já que o rapaz tanto insistia...




-Está bem meu jovem, não serei eu o responsável pelo seu desemprego. Pode entregar-me a bandeja.


O jovem suspirou aliviado, recebeu uma gratificação, e se foi com a sensação de dever cumprido.
Antonia colocou então a bandeja sobre a mesa da sala de jantar.
Por alguns minutos um silêncio tomou conta da sala. E todos os olhares se voltaram para o Desembargador. Esperando um pequeno sinal de autorização...
Então...


-Certo, crianças já que alguém decidiu nos ofertar a sobremesa de hoje..vamos lá!




Foi um verdadeiro ataque à bandeja. Imagine 6 crianças como formigas em volta de uma bandeja com os mais deliciosos doces.
Até mesmo o Desembargador apreciou o seu saboroso doce.
Logo só havia papeis e resto de açúcar sobre a bandeja.
Não demorou trinta minutos para que voltassem a bater na porta.
Um motorista agora pálido e assustado disse:


-Desembargador...queira me perdoar..mas..


-Mas..? Perguntou o Desembargador..


-Houve um pequeno engano e a bandeja de doces era para ser entregue na rua ao lado.


-Não diga! Mesmo?


-Sinto meu jovem, mas agora é tarde. E não foi falta de avisar.


-Mas e os doces?? Perguntou aflito?


-Os doces? Bom meu jovem. Com seis crianças em casa acho que pode imaginar o destino de cada um desses deliciosos doces.


-O que faço agora? Perguntou assustado.






O Desembargador então se dirigiu à sala apanhou a bandeja, agora vazia, e devolveu-a ao motorista.-


-Leve a bandeja. Explique o ocorrido.


-Mas serei demitido..e..


-Meu jovem você já está encrencado. Mas sei que no fundo a culpa não é de toda sua.


O Desembargador então se dirigiu à biblioteca e redigiu uma pequena carta e pediu que fosse entregue junto à bandeja na devida casa.


-O que diz aqui??? Perguntou aflito.


- Que os doces estavam maravilhosos que adoraria conhecer tão competente doceira.


- Mas...


- Calma rapaz..digo também que arcarei com o valor gasto que não se preocupem. Mas em relação aos doces da festa nada posso fazer. Pois hoje a festa foi aqui.


- Uma boa noite para você rapaz.




Assim terminou aquela noite de maio. Adoçada pelo destino.